segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

IMAGEM - Taciana Valença (prod igor lemos)

TACIANA VALENÇA POEMAS

PSIU

                                                                  





                                                                   Passe depressa,

passe discreta,
sem ruídos.

Não chame a atenção.
Há um poeta de plantão,
a rondar lua e sombras.

Congela tuas artérias,
prende a respiração.
Há um poeta de plantão.

Quer ser mar, rio, talismã.
Insiste em ser divã.
Não tombe, ele quer teu braço.

Não te enterres na madrugada. 
Atrás da Rocha, nem pensar!
Sentará ao teu lado num piscar.

Fique estática, nem respire.
Use pés de bailarina...
Flutue no crepúsculo.

Contenha as pupilas,
se faça de argila,
feia emudecida.

Entre o bigode e o queixo,
há uma boca entreaberta
e fumaça de cigarro.

Ronda-te os segredos,
os medos e versos,
e poderá te vencer
com um café expresso.

DISTRAÇÃO

 



Na cabeceira, o jarrinho, esqueci de colocar no solzinho da janela. 

É que gosto das minhas coisinhas me cercando, e hoje eu estava distraída, tão distraída que esqueci do tempo, da data, da hora, de tudo.

Acho que as horas servem para por ordem no tempo, esse tempo que inventaram para nos controlar.

Hora de tomar café, hora de almoçar, hora de jantar, hora de trabalhar.
Antes de tudo existem três ponteiros controlando nossa mente.

Estou só pensando... pensando em como foi boa a viagem sem tempo que fizemos, onde o relógio da cidade apenas seguia o sol e a lua.
Marcava manhã, tarde e noite. Eu achei o máximo aquilo.

Acordávamos tarde, de uma noite de tantos braços, lábios e risos.
E o dia começava às dez da manhã. Lembra? Café, biquine, praia, sol. Andarilhos sem relógio. Não havia celular e meu tempo era todo teu. As únicas mensagens que recebíamos eram dos nossos corpos, nossos gestos em resposta a tudo o que vivenciávamos. Comentávamos o gosto das coisas, você me mostrava as janelas coloridas que eu curtia, entrávamos em cinema com roupa de praia e tomávamos café quando saíamos.

Ninguém sabia onde estávamos. Não precisávamos mostrar o que fazíamos para a humanidade saber que éramos felizes.  Apenas vivíamos nossa felicidade.

Hoje viajei pensando nisso. Ando assim, tão distraída dessa vida...

EFEITO




 Tempestade em campo vasto, 

este olhar de falsa reprovação.
Incontido toque de imensa satisfação.

Um quê de ver
e não acreditar.

O efeito sobe em mim,
que não me contenho
em te provocar.

ECLIPSE




Tempo se fecha sem prévio aviso. Aliás, algo assim, meio em cima da hora. Nem mesmo deu tempo para pensar, refletir, treinar. Com qual roupa não vou sair?   Há algo solto no ar, invisível, perigoso, fatal! Sem mesmo nos darmos conta, sentimos frio na barriga, recapitulamos nossas vidas. Uma oportunidade para um raio-x da alma.

E se eu morrer amanhã? O que fiz, o que não fiz? Quais foram meus pecados? Como ficarão todos? Nossa, acho que jamais sentimos um perigo tão próximo.
À medida que o tempo vai passando, o vírus vai chegando perto, vai se mostrando, amedrontando, levando amigos, conhecidos, familiares. Um vulto, uma sombra negra abrindo as asas sobre nossas cabeças.

Então, de repente, estamos na janela, pedindo ao Universo uma cura, pedindo proteção para todos, clamando perdão por nós e pelo próximo. Uma reza, uma oração, um pedido sem religião. Sim, é nessa hora que buscamos a luz. Que a luz ilumine nossos dias, nossa saúde, nossa família. Enfim, que se houver um Deus, ele nos socorra.
Cadê Deus? Cadê Deus? E ele bem aqui, dentro de nós.

Temos a posse do interruptor que gradua a intensidade de luz que emanamos. Sim! Surge uma força, além de uma vontade de entender o que se passa. Imagino a graduação da luz. Seria lenha na fogueira. Lenha da boa, da que faz a labareda surgir, afastando qualquer escuridão.


Lenha do amor, da compaixão, do perdão, da humildade, da empatia e absolvição das nossas culpas. E a claridade vem à medida que jogamos lenha boa no fogo.

Esse é o interruptor que gradua a chama.

Descobrimos que toda a lenha estava guardada dentro de nós. Quem não descobriu isso antes, tem a chance de descobrir o esconderijo, de desvendar o segredo.

E agora? E a madeira que ficou úmida durante todo esse tempo? Como utilizar para jogar na fogueira da vida?
Vocês sabem que o segredo para secar é o calor. Neste caso, um calor bem específico:

 calor humano.
 
Ele não falha. Todos nos vemos precisando dele, e o mundo, mais do que nunca, sofre com as consequências desta escassez, quase uma falta.

E o Universo aponta a nossa chance de nos envolvermos uns com os outros. Mas só um detalhe: o calor tem que ser verdadeiro. Nada de falsa caridade, de falso ajudar, do ajudar para se envaidecer. Não! A chama só cresce com sentimentos verdadeiros. Se o calor não vier da alma, nem tente, o fogo não vai pegar.

Não é difícil pensar que nascemos com essa lenha boa para jogarmos na fogueira da vida, a lenha que trabalhará a nosso favor e, consequentemente, a favor da humanidade.

Mas sabe o que acontece? A gente se distrai com as tentações e ilusões do mundo, e ao invés de melhorarmos nossa condição de humano, acabamos iludidos com as vaidades, distraídos em fazer valer as vontades fúteis dos nossos umbigos. Preocupados em competir com o outro ao invés de se unir em prol de algo maior.
E a lenha? Sem cuidados, a gente deixa ali, largada ao chão, pegando umidade, e assim, perdendo sua função. Ela fica lá, quieta, e o mundo vai nos pegando de jeito.

O Universo vem com tudo e nos balança!

Êpa! Vamos prestar atenção no serviço?

Que humanidade é essa? O que é isso?

Coloca todo mundo trancado. Tipo numa cadeira de pensar. Os sensíveis percebem mais rápido toda a questão. Outros demorarão a entender, presos ainda nas vaidades vãs e egoísmo. Outros, não mudarão em nada, continuarão presos nas correntes grossas do obscurantismo.
 
Taciana Valença

 

ARTE AGORA Entrevista com o escritor Xico Piatã

EU MORO NUM VERSO (TACIANA VALENÇA)