quinta-feira, 29 de março de 2018

PAZ E MOTIM




Alada alma
sem alardes.
Recatada rebeldia
em franzida testa
já imune.
Paz e motim
num discurso sem voz.
E o cheiro do mesmo perfume.
Lágrima tiro varando peito.
Palavras inebriantes
atravessando conceitos.
Auto reclusão sem porta de entrada.
Abrigos de mim, do exagero,
da mania de me mostrar por inteiro,
sem desvelo, deixando fluir
num voar constante.
Ainda muito me resta,
tudo que ainda há de restante,
o avesso d'um tempo,
em solo de instantes.

(Taciana Valença)

NEM TANTO ÁGUA MOLE




Às vezes a gente se sente ameaçada. Ameaçada por ser gente, ameaçada por querer agradar, procurar entender, ser gentil, atenciosa, amável.
É verdade, a amabilidade incomoda as pessoas, assim como seu sorriso espontâneo também. Difícil agradar os seres ditos humanos. Alguns são como bichos, desconfiados.
Já cheguei a colocar a amabilidade na porta e sair, como quem deixa comida a um animal. Mas é porque realmente sou assim.
As pessoas são tão desconfiadas que às vezes acham que você quer algo em troca, E até que descubram que não há nada que possa querer ou mesmo que tenham a dar vai um tempinho.
Mas acredito que estamos aqui também para isso, sermos um pouco água mole em pedra dura. Só que existem algumas pedras que querem ser pedras até o final dos tempos. Aí, não sendo santa, tiro o time de campo.
Anda difícil a relação humana. Os conceitos truncados, distorcidos, um ódio que não se sabem nem mesmo ao que. Acredito que realmente alguns fatores externos estejam contribuindo para esse tipo de insanidade, desse comportamento violento e impensado.
As radiações, wi-fi, celulares, enfim, toda sorte de perturbações externas. Ouço coisas que parecem de pessoas desconectadas, perturbadas realmente. Coisas tão absurdas, deduções tão esquisitas que são insanas.
Espero sinceramente estar errada e esta petrificação das pessoas seja impressão ou algo passageiro. Temo por nós, pelo caminho que a humanidade está trilhando e pela distorção nos conceitos fundamentais sobre a vida, o amor e a convivência.
Ainda assim continuarei água, molinha, molinha, deslizando entre as pedras que racham mas não se humanizam.
(Taciana Valença)

CANDURA


 

Janela aberta, coração menino,
o cheiro do Jasmim, um mimo,
se aconchegando à noitinha,
quando o bolo vai saindo do forno
e os aromas se misturam.

Há risos na conversa vizinha,
um quê de doçura
em banco de praça,
onde o mundo perpassa
em solo de candura.

Rudes almas atravessam rentes
com ar de ceticismo,
de rijos dedos
cavando seus abismos.

No aconchego um convite,
e que se preencha de calmaria
os vazios das horas
e as ruas sombrias.

(Taciana Valença)

## RESISTIR PARA SOBREVIVER ##



Respirar, apesar da força desafiadora
q’empurra ao afogamento, sem dó.
Resistir às pesadas forças da injustiça,
desumanas e sarcásticas.

Legítimo é viver,
protegendo-se do mal
num clamor pelo sobreviver,
digna e humanamente.

O mal se apresenta sob mil faces,
USA a ignorância e alienação
como comparsas
para destruir uma nação.

Demônios se juntam
numa corrente pesada e hostil
acendendo o pavil
d’uma injustiça em massa.

Manobras do mal e da brutalidade
num desrespeito sem nome
a destruir um jovem país
e toda uma sociedade.

Passam por cima das leis,
rasgam a constituição,
que fizeram esses inomináveis
com essa grande Nação?

Balas que ecoam risos,
massas de manobra
vazias e sem noção
aplaudem violência e agressão.

A democracia chora o descaso pelo povo,
a falta de moradia, dignidade, saúde e educação,
os direitos roubados
pela pior espécie de ladrão.

Resistir é a luta.
Política se faz nas urnas e
com argumentos e palavras
não com feras e balas.

(Taciana Valença)
Baseado no texto “É imperativo resistir”, de Thiago Burkhart.

quarta-feira, 14 de março de 2018

A VIDA DE TÊNIS





Os sonhos andavam em tropa (como dizia minha avó), saindo do colégio na Rua Dom Bosco para tomar sorvete na Fri Sabor da esquina. Sinceramente, o futuro não importava muito, o que importava era o sorvete de baunilha, chocolate e creme russo na banana split que substituía meu almoço para voltar para o colégio.
Trocava de roupa, ensaiava ginástica rítmica e, por não poder ficar muito tempo esperando, inventava de fazer atletismo. Sempre saía em cima da hora para o banho, chegando de cabelos molhados na aula onde havia começado o "profissionalizante" de administração.

Não sei porque cargas d'água eu achava que ia ser uma ótima administradora se na verdade piscina e quadras eram a minha vida.
Talvez influência do meu pai, já que nunca quis seguir odontologia, profissão que minha mãe deixou de exercer para cuidar dos filhos (isso influenciou?). Não me via debruçada sobre bocas abertas de hálitos duvidosos.
Enfim, era a juventude apoiada nos braços dos amigos, nas risadas, nas músicas dos anos 80, nas paqueras e paixonites, nos impulsos para a maturidade mesclados com meninices.
Ah! Se soubesse que passaria tão rápido, que aquela música cantada pelas cinco mais unidas amigas seria uma despedida de uma fase tão gostosa da vida. Ainda lembro da cena, as cinco sentadas na calçada do colégio no último dia de aula antes do vestibular. Puxamos então a música do Gonzaguinha: viver e não ter a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar, a beleza de ser um eterno aprendiz...
E éramos tão jovens entrando na faculdade, engatando assim nas grandes responsabilidades: estágio, emprego e lá se foi metade desse cantar.
As gargalhadas foram ficando mais contidas, trocadas por cartões de ponto. E a gente foi indo...
A sorveteria continua lá, no mesmo lugar. Hoje dei uma volta ao passado, andei pelas ruas, lembrei das amigas, da nossa alegria constante achando que o mundo jamais teria fim.
Percebo agora que o fim nem está tão longe e que apesar de termos tanto a recordar, agora se faz mais do que urgente viver e não ter a vergonha de ser feliz.

(Taciana Valença)

sábado, 10 de março de 2018

ESVAINDO...



Não fechou as mãos,
nem mesmo segurou firme.
Frouxos dedos e sentimentos.
Portas e janelas abertas
a falar dos ventos...
O mesmo que trouxe
e carregou no redemoinho.
O mesmo que desfez ninhos, 
empurrou passarinho,
esculpiu rochas junto com a chuva,
derrubou cachos de uvas 
e polinizou as flores.
Foi o vento,
o vento e seu movimento
que me arrancou das tuas mãos.

(Taciana Valença)






















quinta-feira, 8 de março de 2018

RECADO


E pensar que ainda não temos muito a comemorar, apenas a seguir e continuar na luta.
Será que, um dia, após tantos debates, tanta "evolução", a mulher conseguirá acabar com o preconceito, a desvalorização, a violência, o abuso sexual, a jornada interminável de responsabilidades sem o devido reconhecimento?
Onde estão os filhos paridos? Por que carregar o feminino como sub se em um ventre foi gerado, desenvolvido e, pelo mais sagrado dos atos, parido? O que é que há que no lugar de um endeusamento há a violência, o preconceito, o descaso pelo trabalho excessivo e tantas outras formas de desvalorização? O que é que há nesse mundo que algumas coisas não mudam? Por que a luta dobrada, a necessidade de uma rebeldia para se impor uma voz que naturalmente poderia ser ouvida e respeitada? Por que as mãos em sinal de pare quando poderiam estar unidas usando forças que se completam? Até quando?
Março, apenas um mês para lembrar que muita coisa ainda continua igual, talvez algumas piores. Mas para lembrar, também, que não desistiremos de lutar contra os que nos desvalorizam e oprimem. Somos sensíveis, fortes, objetivas e sonhadoras. Aliamos a luta a um sonho, esteja ele onde estiver, seja qual for a estratosfera. Enquanto houver discriminação, feminicídios, desvalorização, abuso e tantas outras formas de preconceito, estaremos lutando e atentas. O nosso forte é sentir, mas com os pés bem fincados no chão. Confiamos desconfiando, porque assim nos fizeram através do tempo. Somos as ditas rainhas do lar, mas escravas de uma sociedade machista e hipócrita. Mas enquanto houver vida estaremos atentas, umas às outras, lutando por um espaço que nos caberia sem lutas, mas o mundo é isso, feito de guerras, lutas e guerrilhas. Mês de março, dia 8 de março. Apenas um mês e um dia de alerta geral, mas estamos em vigília uma vida inteira, e isso é exaustivo e seria desnecessário, caso o ser humano fosse realmente humano e desenvolvido espiritualmente. Mas fica aqui um recado:
A GENTE NÃO CANSA!
(Taciana Valença)

quinta-feira, 1 de março de 2018

ENTRE UVAS E TAÇAS





Entrar em águas turvas,
pisotear no lagar as uvas,
enquanto o mosto fermenta.

Pensar sabor em ponta de língua,
para que nada morra à míngua
no solo de todo querer.
Em maceração curta,
que o vinho se faça,
da cor, sabor, fermento, das cascas...
Servindo enfim aos prazeres das taças.
(Taciana Valença)

SIMPLES ASSIM


          Apressada e já com a chave na porta olhou o chinelo virado. Voltou e desvirou. Vez por outra batia uma crendice. Lembrou: se deixar o chinelo virado a mãe morre! Um gesto poderia salvar a grande mulher da vida dela. Voltou e desvirou. Olhou para as plantas e lembrou não ter regado. Já com a porta aberta novamente voltou. Regou todas elas. Resolveu até cantarolar, menosprezando a pressa que insistia em puxar pelos braços. Você não me dá ordem, pensou.
          Certas coisas com a idade vão virando toques e sem querer vão tomando teu tempo, dando as coordenadas como se não dominasse mais os próprios quereres. Obedecer aos toques ou à pressa? Uma puxava para dentro, a outra para fora. E entre as duas quem era ela enfim? Pra lá e pra cá sob o comando de tudo, exceto dela própria.
          Compromisso do lado de fora. Teria que ir! Teria? Queria? Batendo a porta, deixou-se cair no sofá. Olhou a garrafa de vinho ainda fechada. Tirou os sapatos, largou a bolsa ao lado e levantou já descalça. Colocou a bebida na geladeira. Foi só o tempo de tirar a roupa e com um bom banho deixar a cara lavada novamente.
          Abriu o vinho. Agora é entre nós! Dane-se o compromisso, tudo pode esperar, afinal. Era tão simples o que realmente queria naquela tarde: seguir a pulsação do seu coração, deixar-se largar em si mesma. Simples assim.

(Taciana Valença)


EU MORO NUM VERSO (TACIANA VALENÇA)