quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

VAGABUNDO (a um amigo)



Mente sem teto
ou freio de pouso.
Um tanto sem canto,
desviando desencantos.
Mãos nos bolsos
de lenços úmidos.
Calçadas de vida,
eterna viagem.
Viva-mente vagabundo,
de anseios submundo.
Ah, quem me dera,
doutorar-me em teu mundo.
Este desmantelo engajado
a vasculhar o profundo.
Andarilho das letras,
das "cranianas cavernas".
Vagabundo!
A olhar pelas fendas
a sujeira do mundo!
Teu chão de terra reluz
sobre a poeira das togas.
Toque sonolento que
incomoda e nos acorda.
Vagabundo!
Quando vale um passeio
neste teu mundo?

 

Taciana Valença

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

TUDO CERTO



 

Por que saber das horas
Se as palavras eram as certas
Se os olhos contemplavam
Quietos, fixos, sem fim
Se tudo ali estava repleto de mim

Por que saber das horas
Quando nada importa mais
Além d'um momento que se eterniza

E está tudo certo,
Até mesmo a chuva
Molhando as asas dos pássaros,
Até mesmo o latido intermitente
De um cão carente

E está tudo certo,
Se tudo estava ali
Naquele momento
E era tudo o que importava

SEXTA VAZIA




Silenciosas, as ruas estranham as faltas.
Faltam pés saltitantes, orquestras, maestros.
Falta Antonio Nóbrega, o Bloco das Flores.
Faltam os foliões e suas cores.
Recife estranha as ruas vazias,
máscaras isoladas em si,
indo alhures num vácuo tempo,
respirando como argumento.
O galo não está na ponte,
e a gente nem pode mangar,
como sempre, nossa maneira
de admirar, só um pé de graça.
Mas o orgulho ninguém disfarça,
do bloco que amanhã seria.
Quem sabe um dia. Quem diria?
-Depois do Galo rola Olinda?
Mas claro!
E amanhã a gente sofre,
mas não vai poder gozar.
Nossas cinzas antecipadas,
tiraram o homem de lá.
O homem do boné,
homem azul, inesquecível,
aquele, dos livros, o dirigível.
Sábado de Zé sem Pereira.
Tudo passará em branco ou luto.
Começamos das cinzas ingratas,
o Carnaval de todos os anos,
só que hoje nossa fantasia
é tapar o rosto com pano.

Taciana Valença

ÁGUAS DE MIM

 



São tantas águas de mim
escorrendo em enxurrada.
Inundando becos secos,
descansando paradas.
Lago límpido, transparente,
pântano frio, surpreendente.
Transbordo destino mar,
boca maresia, vento frio,
d,águas tão quentes...
Mar calmo
sem rebentação,
não aconselho mergulhar.
Mar sem rebentação
não é seguro, juro.
Silenciosas são
as correntes...
Águas calmas
arrastam para alto mar,
não adianta nadar.
Neste mar sem limites,
aconselho não entrar.
Taciana Valença

VERSOS ALADOS


Faz tempo
solteI os versos,
dei asas ao voar.
Alados foram pousar,
cada um em seu telhado,
cada um no seu lugar.
Satisfeitos em cada endereço,
versos tontos, sem brio, rarefeitos.
Já não tem meu apreço.

Taciana Valença


Foto: Taciana Valença

AO NOVO DIA



Pela fresta da janela

entrara uma nesga de tristeza.
Esquisita sensação de trem perdido,
do abandono em fria estação.
O cachorro a desviar os olhos,
num absurdo entendimento sem palavras.
A vida partida em fatias,
poderia até jogar-lhe algumas.
Quem sabe se refastelasse
mordendo como ossos.
Estremecera com a ideia
deixando a gelatina derreter na boca.
Seria a lua azul e seus efeitos?
Ria e gritava: esse mundo irá nos matar!
O cão pulara no colo em alegria.
Abriu a champanhe ao novo dia.
(Taciana Valença)

QUINTO POEMA

 


Quem dera jamais ter visto,

jamais ter lido,
nem mesmo verso primeiro.
Maldito quinto poema,
célula tronco dum morrer.
Gafanhotos em praga plantação,
não é sequer um senão.

Punhaladas.
Maldição!
Versos lâminas,
tiro no peito.
Maldito quinto poema,
insônia no leito.
Mergulho na lama
onde impuro se sai,
inseguro e triste,
quase incapaz.
Quem dera jamais desencantar,
bailarina movida por emoção.
Lágrima, espetáculo,
dor, perfeição.
Entre remédio e veneno,
segundos ilusão.
Sorrateiro, silencioso,
que aos olhos espetam
e ardem.
Borrada pintura
em ato criminoso
de efeito azedo.
Maldito quinto poema,
roeu ripas, virou tripas,
matou vidas.
Taciana Valença

EU MORO NUM VERSO (TACIANA VALENÇA)