TACIANA VALENÇA - Ensaiando poesias

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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Chicletes sem sabor – Taciana Valença


Então ele havia ficado no tempo das vésperas? Véspera, vésperas. Palavra nova em nosso vocabulário, tínhamos acabado de pesquisar. Era mania. No mesmo dia chegou com subilatório, rindo-se muito dizendo ser cria de um grande escritor para por no lugar daquela palavrinha que Magali tanto admirava e que resultava em grandes palmadas quando deixava escapulir. Contente disse que agora era substituir, no que ela rebateu, de jeito nenhum. Era isso? Nosso amigo existiu até as vésperas de hoje? 

Ainda ontem em coro brincávamos pega ladrão, pega ladrão e às gargalhadas víamos subir as calças espantado, agachado no mato, vítima de um desarranjo, segundo sua mãe, dona Hilda, da vendinha onde comprávamos escondidos os chicletes proibidos. Incrédulos metemos as canelas rua abaixo até a venda onde num quadro negro havia escrito a giz: fechado. A venda não fecha durante a semana. Teria sido o desarranjo? Alguém de vocês já ouviu falar em morrer de dor de barriga? A coisa parecia séria. Não poderia ser boato. 

Da janela minha mãe observava nossa reunião. Pelo olhar ela já sabia, conheço o olhar da minha mãe, ela não sabe disfarçar tristezas, é péssima para isso. Uma manteiga derretida. Era verdade. Aos poucos fomos deixando o riso aguado de lado e escondendo os dentes. Nas bochechas de Ana lágrimas escorregavam descontroladas e em poucos instantes contaminaram a todos. Ficamos ali pensando nas vésperas, nos ontens. Como alguém aos 11 anos pode simplesmente sair assim da turma, sumir? 

Estava tão feliz, havia entrado no novo colégio com a ajuda da tia que prometera pagar as mensalidades mediante as notas do ano. Sem dúvida se esforçou. Quase não o víamos durante a semana, a não ser rapidamente, chegando ou saindo para a aula. Cada qual no seu canto recordava o amigo. Certa vez ouvi meu pai dizer que a morte não mandava recado. Nem mesmo tivemos tempo de despedidas, dizer do quanto gostávamos dele e torcíamos pela sua felicidade. A casinha sacrificada, os pais já tão idosos nunca puderam dar-lhe mais. Não ligava, estava disposto a ser gente como afirmou num só sorriso quando anunciou a ida para uma escola melhor.

 Alguns arrependimentos piscavam sobre nós. As prendas, a mangação vendo-o dançar ao som do cavaquinho numa aposta para que pudesse ganhar um real. Não, não era maldade. Na dúvida rezei. Expliquei a Deus as brincadeiras. Haveria de entender. Senão Deus, quem mais? Mas por que ele o tirara de nós, por quê? Uma criança que queria crescer e ajudar aos pais. Só uma criança. O sol se escondeu e nem percebemos. Ao longe observamos os pais chegarem à casa que também era nossa vendinha. 

Estavam tristes. Dona Hilda apoiada sobre o ombro da filha chorava. O chiclete não terá mais o mesmo sabor, não será mais colorido ir à venda e não poder chamá-lo. E as prendas? Por certo não ficou chateado, era melhor que nós.

Taciana Valença



às novembro 28, 2016
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