domingo, 18 de junho de 2017

PARTINDO (TACIANA VALENÇA)




Deixou-se largar debaixo das cobertas. Dia frio, d'alma nublada, meias vestindo pés congelados. Apenas um café o fez levantar naquele instante. O cheiro daquele pequeno grande prazer que vez por outra caía como bálsamo sobre suas inquietações. Tentou escrever. Em vão. Nenhuma palavra. A cabeça vazia, uma vontade de nada como se nada fosse verbo. Cabelos em constante desalinho. Um riso acompanhava a lágrima dessa tortura. Lá fora as árvores tentavam dizer alguma coisa e as cigarras anunciavam que mais um dia chegava ao fim. Adormeceu ali, no velho e bom sofá, cheirando a cigarro. Arrastando os chinelos mal encaixado nos dedos por conta das meias, foi até o banheiro. Lavou o rosto preguiçosamente, puxando com os dedos as rugas como querendo esticar a pele sofrida pelo passar dos anos, da bebida, dos cigarros e das noites mal dormidas... 
Depois de tanto tempo resolveu. Trocou as roupas, não enfrentando o banho gelado, pegou as chaves do velho Jeep, abandonado na garagem, e seguiu estrada afora, como a buscar sol, caminhos ou lugar qualquer onde respirasse um pouco de vida.

E foi assim que perdi meu personagem.
Ele simplesmente se foi, sem aviso, sem mais.
(Taciana Valença)



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui um comentário, é muito importante para mim. Obrigada.

EU MORO NUM VERSO (TACIANA VALENÇA)