domingo, 7 de julho de 2019

## AQUILO ##






Aquilo na verdade não estava ali. Nunca esteve. Foi apenas criado por um desejo, uma vontade de que estivesse. Uma criação. Armadilha da mente, que mente, inventa, alimenta. Alimenta crias que crescem sem raízes.

E quando passamos o rodo e o pano, o chão aparece limpo, sem sinal algum de que ali, algum dia, algo fora realmente plantado, muito menos que tenha criado raízes. A ilusão é perigosa porque parece ser algo alimentado no ventre. Cresce. Sim, cresce. E existe, mesmo que não exista. Torna assim o corpo cúmplice e dependente de um acidente inventado pela mente, que mente!

O perigo da cria é o vício, o altar onde se coloca um nada, deixando assim o nada dominar. Isso é tudo que não se deve, pois crise de abstinência do nada é fado que adentra noites e madrugadas.

Aquilo é o inconsciente, transformando nada em convicção plena. E a pena é deixar que aquilo tome seu peito, num aconchego de manjedoura.

O jeito é deixar aquilo em algum canto. Trancar em um quarto escuro, deixar morrer à míngua. Libertar-se, enfim, do que se inventou. Pois aquilo é feito massa de modelar jogada na frente da mente, que deseja dar a forma que lhe convém. E se alguém não lhe tirar das mãos, assim como se faz com uma criança, ela mergulha na ânsia da cria que alivia os seus dias. Faz, alimenta e investe na cria, fazendo dela sua aliada, da vida e da guerra silenciosa travada com os dias.

Pois aquilo também é isso, que invento em meu caderno, cheio de céus e infernos. Túmulos e montanhas com vista para o mar, na dolorosa fragilidade de um existir que teima em nos enganar..

Coragem e fraqueza servidas à mesa, em colheres grandes e de sobremesa, dispostas a alimentarem o apetite da solidão, visto que tudo o mais é pura ilusão.

Pois o chão é batido, no braço e no pulso, a cada minuto, a cada soluço, no grande sertão do coração.

E nada causa tanta dor quanto perder aquilo que se criou.

(Taciana Valença)

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EU MORO NUM VERSO (TACIANA VALENÇA)