quarta-feira, 19 de julho de 2017

TRAVO DO CRAVO (TACIANA VALENÇA)


Fosse cravo
Esse travo na boca
Amarga língua,
Raspando garganta,
Gosto de planta
Que se engole
E morre,
Sem sol,
Nem fotossíntese...
Digerir em mim essa tese,
Engolir o cravo
Apenas pra não sentir
Travar os dentes...
Tantos foram os cuidados
Como quem na boca
Uma hóstia carregava,
Veneração,
Amor, respeito
Hoje levo no peito,
Na graça, na raça,
Confesso, um tanto sem jeito
Despojada dos efeitos,
Em anunciada morte
Descansa um quê de deleito


sábado, 15 de julho de 2017

sexta-feira, 14 de julho de 2017

CORAÇÃO DE VIDRO


REVESTIR DE VIDRO O CORAÇÃO

CEGAR A ALMA

NÃO SOFRER EM VÃO


(TACIANA VALENÇA)

NO TAPA


Desoriginalizando,

Botando caos

Na minha ordem,

Desordenando tudo,

Espalhando no chão

Sem juntar pedaços,

Jogando fora

Os estilhaços

Nada mais em caixas,

Nada mais encaixa,

Virando do avesso,

Começo sem começos,

Sem apegos,

Nas vicissitudes, 

Atitudes,

O resto,

Como ouvi por aí,

Deixa rolar


(Taciana Valença)

quinta-feira, 13 de julho de 2017

## ANTEPASTO DE VIDA ##




Recolho-me
No antepasto de vida
Chama de vela
Movida pelo vento
Sangrar constante
Num sorrir de alento
Insanáveis dias,
Inquisidores e proféticos,
Livres(?), doces,
Amargos, fétidos!
Deito na coxia de mim
Evitando palco
Onde monstruosidade humana
Impera
Sem pena 
Matam e condenam
Sua própria espécie
Quem dera
Pegar carona na monção
Num desatino,
Sem destino,
Para nunca mais
Ver abrir tais cortinas
Dessas dores,
Sem dó e sem rima

(Taciana Valença)

domingo, 25 de junho de 2017

O BILHETE


Para a garota mais linda da festa.
Assim dizia o bilhete, entregue por uma senhora de rabo-de-cavalo, loira, com vestido xadrez azul, branco e vermelho, laçarote laranja na cintura. Pintas pretas nas maçãs do rosto e um sorriso de quem estava se divertindo muito com aquilo.
Sem graça, recebi o que me entregava. Cara de boba, de quem não sabia do que se tratava. Tímida, olhava sem graça e discretamente por toda a festa, tentando achar o dono do bilhete, cuja letra, num bastão irregular e talvez um pouco tremida, despertou curiosidade. Não por acaso.
Ao término da quadrilha, descansando perto da barraca de milho verde, avistei de longe um matuto. Não fosse os meus 14 anos na época, o acharia um pouquinho com cara de bobo, ou seria o bigode feito à lápis o responsável por essa impressão? Não sei, mas, tirando o bigode, estava tudo certo.
Não era alto, talvez um pouco maior do que eu. Calça jeans apertada (era moda, eu acho, rs), camisa xadrez (óbvio), preta e branca, botas pretas e um cinto largo preto. No alto da cabeça o velho chapéu de palha atarracado, que levantou com uma das mãos quando viu que meus olhos estavam em sua direção (pura distração, rs). Cara convencido, pensei.
As amigas, no entanto, me carregaram para o salão, puxando pelas mãos para que eu pudesse ver o forró. Mentira, queriam me apresentar a um amigo, que queria me conhecer. Fui achando que, claro, seria ele. Quem mais?
Minha cara de decepção deve ter atingido o rapaz bem no meio do peito. Não era ele. Era um homem já, pelo menos para mim, uns cinco anos mais velho do que eu e bigode de verdade.
Como algo combinado, me deixaram com ele dizendo que iriam comprar refrigerante. Sem graça e chateada com a decepção, respondi algumas perguntas com má vontade e sorriso bobo (talvez de uns doze anos).
Onde você estuda, nunca te vi por aqui, mora onde, você é muito bonita, affffffffff, nem nessa idade eu tinha paciência para esse tipo de cantada!
Já não conseguindo controlar o total desinteresse pela conversa, pedi licença e disse que ia ao banheiro (fiquei feliz com minha astúcia!).
Nem quis procurar as meninas mais, tamanha minha raiva pelo que fizeram. Passeei pela festa, comprei milho sem vontade, atirei com espingarda para ganhar um urso rosa bebê sem graça, que dei à primeira garota que vi e fui sentar perto da piscina do clube. No fundo estava triste pelo rapaz com cara de bobo ter sumido.
Foi então que me chegou às mãos o tal bilhete. À medida que a senhora se afastava eu o procurava, na certeza de que, daquela vez, tinha que ser ele, pois fora o único na festa que realmente olhei, com talvez, meias segundas intenções.
Continuei sentada no banco para não demonstrar qualquer espécie de ansiedade. Após alguns minutos (que duraram uma eternidade), escutei um boa noite. Ele estava parado atrás de mim, talvez se divertindo com a minha falsa despreocupação e curiosidade.
Minhas pernas tremeram quando olhei.
Perguntou se podia me fazer companhia (que pergunta!). Ao invés do claro que sim, que lógico, não disse, falei, pode, claro.
Gostou do bilhete? Ah, foi você? O que você acha? Não sabia quem tinha sido. Sabia sim.
Rápido diálogo antes do beijo, que, na época, me pareceu um ato sexual!
Taciana Valença

domingo, 18 de junho de 2017

Soleira do tempo - Taciana Valença



Desenhou sobre a poeira da mesa e sentiu o passado na ponta dos dedos sujos. Não parecia ter passado tanto tempo quanto revelavam as extremidades das suas mãos. Canoa ao vento, sol a sol, definhando na soleira do tempo como a vó que se desfez na cama, assombrada pela vida. Um coma.

Há em mim uma sólida parede construída de saudades, não sei de que, nem de quando, nem de onde. (Taciana Valença)


PARTINDO (TACIANA VALENÇA)




Deixou-se largar debaixo das cobertas. Dia frio, d'alma nublada, meias vestindo pés congelados. Apenas um café o fez levantar naquele instante. O cheiro daquele pequeno grande prazer que vez por outra caía como bálsamo sobre suas inquietações. Tentou escrever. Em vão. Nenhuma palavra. A cabeça vazia, uma vontade de nada como se nada fosse verbo. Cabelos em constante desalinho. Um riso acompanhava a lágrima dessa tortura. Lá fora as árvores tentavam dizer alguma coisa e as cigarras anunciavam que mais um dia chegava ao fim. Adormeceu ali, no velho e bom sofá, cheirando a cigarro. Arrastando os chinelos mal encaixado nos dedos por conta das meias, foi até o banheiro. Lavou o rosto preguiçosamente, puxando com os dedos as rugas como querendo esticar a pele sofrida pelo passar dos anos, da bebida, dos cigarros e das noites mal dormidas... 
Depois de tanto tempo resolveu. Trocou as roupas, não enfrentando o banho gelado, pegou as chaves do velho Jeep, abandonado na garagem, e seguiu estrada afora, como a buscar sol, caminhos ou lugar qualquer onde respirasse um pouco de vida.

E foi assim que perdi meu personagem.
Ele simplesmente se foi, sem aviso, sem mais.
(Taciana Valença)



terça-feira, 11 de abril de 2017

RECEITA DE BOLO - Taciana Valença



RECEITA DE BOLO - Taciana Valença


Sentiu agonia. Garganta seca. O suor escorria pela testa. Ainda apoiado ao travesseiro pegou o copo. Virou a quartinha. Nada. Vazia. A Mercês já fora mais atenta às suas necessidades. Olhou para ela. A boca bem desenhada, entreaberta, respiração profunda, um descaso para a vida. Não tendo coragem de acordá-la desceu as escadas a contragosto, resmungando aos quatro cantos sobre o inusitado incômodo. Agora só pensava em roupas e jóias.
A cozinha parecia menor do que se lembrava. Serviu-se e deixou-se cair numa cadeira. Olhou à sua volta. Está aí uma parte da casa da qual não se lembrava. Ficou por um bom tempo recordando os dias naquele engenho. Os bolos e biscoitos que Naná fazia para ele quando criança e que tanto gostava. Sempre ao final da tarde segurava-o pelas mãos carregando-o para a cozinha a fim de fazer uma grande farra gastronômica. Ele, depois de muito brincar e com fome de leão ia feliz - por um instante pareceu ouvir o simbora homem -, dito com voz firme e melodiosa. Metia a mão na massa, lambia os dedos dela e dele numa brincadeira cujo gosto nem de longe se comparava ao produto final. Depois de lamber todo o tacho da massa corria para o banho e quando descia a mesa estava posta. Bolo fumegando, queijo, leite. Ah. Isso era incrível. Seus olhos de mel o conduziam fácil fácil e assim também tomava as lições com toda liberdade, já que o pai permitia que estudasse, pois fazia parte da família.
Após a morte do seu pai herdara o engenho com tudo e todos. Sua mãe o deixara ainda criança, vítima de uma turberculose, com isso a Naná o criara com todos os mimos. Na verdade era quase uma irmã mais velha, na flor dos seus 20 anos. Traços indígenas, pele macia, cabelos deslizando sobre os ombros, sorriso de fonte a desaguar. A mãe havia servido muitos anos à família, uma criada fiel e dedicada, mas com saúde debilitada se foi, deixando a pequena Naná aos cuidados da sua mãe. Ambos órfãos de mãe, ela amadurecera cedo demais por conta da responsabilidade que pesara sobre os ombros, a principal era cuidar dele, pois seu pai não parava, sempre dando as ordens pelo engenho, pulso de ferro. Durante uma cavalgada um tombo. Jamais voltou a ver seu pai. Restara um ao outro e todos os afazeres do engenho que ela cuidou até que completasse a maioridade. Mostrou-se então uma mulher de luta, cuidando dos empregados e propriedade ao mesmo tempo em que passava tudo para ele.
Os anos seguiram e já formado ele então assumiu tudo que aprendera, deixando para ela os serviços de casa e os empregados. Foi então que resolveu casar com a filha do melhor amigo do pai. Moça bonita, prendada e quieta. Estava na hora. Mercê assumira em parte a organização da casa e Naná já não aparecia, deixando para outros criados os serviços braçais, ficando apenas na administração da mesma e dos empregados do engenho. Ela mudara desde seu casamento e ele nunca soube o porquê.
Aos cinqüenta anos ela manda as ordens vencendo as rabissacas de Mercês que assumiu enfim seu descomando. Eles jamais se viam, já que todas as contas e relatórios, feitos com uma precisão de mestre, eram entregues a ele pelo seu secretário, que, diga-se de passagem, era encantado com ela. Ela não parecia tão mais velha que ele, ao contrário, parecia mais nova que sua esposa. Vê-lo casar foi extremamente triste, apesar de permanecerem na mesma casa. Suas mãos deslizaram nos cabelos daquele menino-irmão, ajeitando o paletó. Parecia vê-lo ir para a forca. Adoeceu durante dias, sumida dentro dos lençóis.
Voltou a si quando percebeu o sol entrar pela fresta da janela. Havia passado o resto da madrugada no passado, na cozinha, junto aos que perdera um dia. O sono se foi com a Lua. Abriu a janela da sala e recebeu a brisa d’uma manhã com sabor de saudade.
Cantarolando Naná entrou na sala agarrada ao seu livro de contas tomando um susto quando o viu ali, de janela aberta parecendo sonâmbulo. Sentindo a presença de alguém ele se virou. Uma sensação estranha o tomou. Reconheceria aqueles olhos em qualquer tempo. Os anos não passaram para ela. O mesmo ar brejeiro, olhar vivo. Algumas mulheres são assim, não precisam de adornos. Talvez ela tivesse mesmo sangue indígena. Ele sim, aos 41 anos estava muito abatido tentando dar conta das exigências da mulher que, por não ter filhos, aporrinhava-o em busca de novidades da cidade grande para comprar. Ela olhou desconfiada, mas de repente pareceu também voltar no tempo e ver aquele meio-irmão que durante anos sentiu falta. Algo a fez correr para seus braços sem pensar. Ele então a abraçou percebendo que também sentira falta dela durante esses anos, dos cuidados, do carinho, da voz. Ela não mudara quase nada. Enfim confessou que havia descido para tomar água e que havia se lembrado dos lanches na cozinha. Ah, como também sentia saudades, disse ela. Agarrou então suas mãos e, sendo ainda muito cedo, correu puxando-o para a cozinha. Faremos um bolo. Tomado de surpresa ele riu com sua vivacidade, a mesma Naná de sempre. Correu a buscar os ovos, trigo açúcar. Vamos, me ajude homem! Há muito não se sentia assim. Correu a ajudá-la.
A colher de pau escorregava da sua mão e com seu sorriso de luz ela o ajudava a mexer. Vestido acinturado, ancas perfeitas. Deus, ela é quase minha irmã. Atrás dela ele já não pensava no bolo. Naná sentia o calor das suas pernas. Mexiam a massa. Mexiam, mexiam, mexiam. Sentiu saudades dele, não mais do menino. Virou-se disfarçando o nervosismo. Hora de provar a massa. Dedos melados recordavam a brincadeira. Línguas seguiam os caminhos da massa. Forno aceso aguardava. Escorria então pelo decote onde ele buscava desesperadamente os anos que deixara passar. Bocas, dedos, forno quente... Nas madrugadas se seguiram as receitas, ambos felizes inventavam deslizes. Mercês, cheia de dinheiro viajava em suas compras.
(Taciana Valença)

domingo, 2 de abril de 2017

ENSOPADA DE MIM


Torrencialmente

Ensopada de mim

Vivo extremos

Sem medo

Que me borre maquiagem

Ou mesmo desmanche os cabelos

Que na verdade adoro despenteados

Ou presos num coque displicente

Quanto mais eu melhor

Desligada sim

Ao que não me convence

Nem nunca convencerá

Superficialidades me cansam

Tanto quanto mal caratismos

Pessoas verdadeiras me fascinam

Da mesma forma

As que tem o que dizer

Pois encanto-me 

Com o que é encantável

Máscaras me enojam

Minha sensibilidade

Será sempre escudo

Por isso às vezes

Preciso apenas de mim

Assim, ensopada de mim mesma

Num delicioso dia de chuva

(Taciana Valença)

EU MORO NUM VERSO (TACIANA VALENÇA)