sábado, 22 de junho de 2019

LEVANTES




Coração partido, confesso,
ver-te imóvel observar a janela,
seguindo a luz, última súplica.

Que fossem raízes num jardim,
não a dor ao colchão enraizada
em dias trancada, fome de brisa.

Armadura de aço com vista para o mar.
Existes, e por existires imponha luta!
Não definhes em pesadelos que se arrobustam.

Levantes, reajas, mande as ordens!
Nada se abate sem que se autorize,
não largues vida à própria sorte.

Bem sei dos fantasmas e medos,
das tristezas e segredos
do bélico mundo interior.

Lança-te ao vendaval firme e segura,
agarra-te aos troncos e galhos de toda sorte,
mas não te ofertes sem lutas à morte.


(Taciana Valença)

LEVE



Estado de espírito:

LEVE....

Dane-se então!
Que o mundo me leve...
Vento arrastando ondas,
soltos braços e pernas,
olhos fechados, frio na barriga,
sol no rosto e a brisa fresca.
Sim, bem fresca, bem eu.

Taciana Valença

VAGANDO NO VAZIO





Não me obrigo a sorrir
por me cobrarem felicidade.
Prefiro lábios firmes, mesmo que tristes,
a sorrisos largos e vagos de vaidades...

Segue canção alternando dias,
muitas vezes a estação não escolho,
dias sem luz, noites sombrias,
em portas trancadas por ferrolho.

E se a alegria me cabe, sem mais,
assim, por um segundo que seja,
sem que pareçam tão formais,
sorrio e brindo feito princesa.

É que a vida resvala
nas mãos de um tempo escorregadio,
nos trancando na senzala
do imenso abismo do vazio.


(Taciana Valença)

TEU REFLEXO



És bordas finas,
língua passando ofegante.
Lágrimas escorrem
enquanto evaporam...
e de alegrias rendem noites.

Tão artesanais entre gostos,
texturas, cavidades...
Movem-se, estruturas de areia
ao sopro da madrugada,
ondas que a terra saboreia.

Fogo à beira-mar,
sussurros etílicos...
alguém ao longe dedilha uma canção
que ficou impregnada nas conchas,
invadindo dedos, braços, coxas e mãos.

E cantas mal, esqueces o refrão.
Mas o céu em ti é tão azul que encandeia,
queimando a retina do Universo,
e o vento seca o espumante em teu peito,
o mundo gira sob teu reflexo.


(Taciana Valença)

LUTO





Foi durante a madrugada que faleceu. Carente, dependente, desiludido e solitário. Talvez cansado de lutar, cansado de amar em vão, cansado de ter que estar sempre com uma carta na manga, na mão...
Sei não. Talvez baixa autoestima, vai saber!
Procuraram família, ou amigos mais chegados. Mas na falta do pai havia apenas a mãe a quem se dar o recado. Triste recado este. Amigos, apenas alguns gatos pingados que comungavam com ele essa espécie de vida alienígena num mundo egoísta e sem sentido, principalmente para os que sentem. Havia de ter um propósito maior. Mas estava exausto de procurar. Parecia viver batendo contra as paredes, sem conseguir achar caminhos, saídas. Acho que foi isso que acabou com sua vida.
No atestado de óbito, que a princípio não tinha causa definida, deixando médicos num dilema, estava escrito:
Falência múltipla de leitores do poema.
Estou de luto, por um amigo que cansou de lutar.

Taciana Valença

OUSADIA




Incrustada sobre as pedras
já não me emociono ou me comovo,
asas soltas de anjos entre bestas feras,
mundo de medonhos gritos que já nem ouço.

Partiram o pão, levaram os pedaços.
Riram da arte, do mundo fizeram deboche.
Desfeitos foram tantos sonhos e laços;
arregalo os olhos entre vazios fantoches.

Donde estará o grande poderoso?
Olho das pedras, sim, petrificada.
Qual será enfim o ápice do seu gozo?
Terra em chamas, abandonada?

E me olho no espelho,
no fartar de um breve existir,
peço ao Universo luz e conselho
carga maior de força no resistir.

Na palidez destes versos tristes,
regados a chá de pau e canela,
aborto este mundo que insiste,
preparando o próximo chá de panela.

Taciana Valença

sexta-feira, 26 de abril de 2019


Bendita morte que não chegou,
escorregou no tempo 
e ao invés de ter-me, 
me amou.

(Taciana Valença)

sexta-feira, 19 de abril de 2019

VEZ POR OUTRA




Vez por outra a coragem arrefece,
olha pra vida de jeito cabreiro;
se esquece na cama,
não larga o travesseiro. 

(Taciana Valença)

CICATRIZ





Cicatriz
E eu que nem sabia
quantos céus
morriam em minha boca
naquela noite estrelada.
Prelúdio perturbador do que se desconhece. 
Na dúvida uma pausa, um gole, uma prece.
Alma trêmula qual luz de lampião,
recobrando os sentidos, voltando da beira d'algum abismo.
Ruídos de porta se ouvia, gritos de histeria.
Ilusão rodando o dedo sobre o gelo que se derrete, saturado de mim.
Atalho, rosário, camarim. Olhos em frente, morte nas laterais.
Parada na pensão, secas folhas ao chão. Cama sem mundo, reza, confissão.

(Taciana Valença)


Delicadeza
Tempos mel,
segredos abelhas,
zumbir constante.

Ludibriados direitos à inocência.
Comia ternura, adivinhava abraços. 
Pitangas doces vermelhas em explosões inesperadas.
Sombra em água perfumada. 
Frágil alma dentro das saias, 
arrepiando-se em sintomas do coração.
Furtivo tempo d'uma ilusão. 

(Taciana Valença)

sábado, 30 de março de 2019

DEVANEIOS


Não se fala de boca cheia.
O centro do Universo arde
e eu mastigo a Terra com receio.
Úmida, sem humildade.

Tudo desce goela abaixo.
Então seguro o jorro do vômito
para não ver o asco ir ao chão.
Perdão, perdão, por ser tão pouco.
O ôco incomodativo questiona
se dá pra sair do umbigo 
e ir à porta da casa, subir o morro,
pagar promessa, sem pressa.
Úmida sim, sem humildade.
Os lábios se abrem vermelhos
e a língua rima com teus lábios
que já nem ouvem meus conselhos.
E enquanto o vinho esquenta, eu esfrio,
estudo o hálito, os dedos e as mãos
que erguem a taça do vinho contra a luz;
e ao mover-se em círculos, seduz.
E o mundo é um sedutor algoz
enquanto vítima, me rendo;
fazendo rap com discurso alheio,
distraída ao que me resta, carro sem freio.
O que importa, se ao passar daquela porta
já não te vejo; sem cio, pelo parque vagueando,
dedilhando o banco vazio sob a garoa.
Pele arrepia, coração contrabando.
Vulcão extinto reclama a nova ordem.
Ciclos se vestem com capas de frio
onde nada faz muito sentido
e até mesmo das horas do dia eu duvido.
(Taciana Valença)

EU MORO NUM VERSO (TACIANA VALENÇA)