sexta-feira, 27 de julho de 2018

Bem-vinda, Lisboa.


Olhava o céu azul enquanto um turbilhão de coisas passava pela sua cabeça. A vida parecia ter passado muito rápido, como as nuvens agora passavam na pequena janela do avião. Talvez um sopro! De repente pensou que pudesse ter feito tudo antes, mas antes de quê, se tanto já fizera? Lembrou da juventude quando morou na Holanda, experiência tão única, das viagens, da família, do apoio que sempre teve, da perda do pai, tão de repente, quebrando um alicerce que agora aprendera a se moldar e da coragem de, já adulta, mudar de corpo. Um up grade para enfrentar um novo mundo.
Como a se desculpar ou mesmo perdoar, mudara de opinião rapidamente, confortando a si mesma: as coisas só acontecem no momento certo. E de repente o rosto se descontraiu. Estava muito bem. Receosa, claro, mas bem.
Apesar de um casamento desfeito, que pensando bem, pudesse ter sido até um erro, um desejo momentâneo do experimentar, mas quem não os tem? Quem sabe na verdade o que fazer e quais os momentos certos? Ninguém. A vida é um laboratório e só conseguimos os resultados, sejam eles positivos ou negativos, quando misturamos as poções. Se der certo, ótimo, se explodir ou desintegrar, paciência. Sigamos.
Lá de cima avistou a cidade. Lisboa, tão dentro do seu sangue. Lembrou das aventuras quando esteve por lá com toda a família. Uma lágrima de saudade rolou livre e espontânea pela face. Depois disto, já adulta, estivera por lá a passeio. Mas agora tudo era diferente. Estava em busca de uma vida nova, em um novo lugar e isso dava frio na barriga. Apesar da dupla nacionalidade sabia que os pés demorariam a sentirem a terra firme.
A presença da amiga que fora estudar e da filha dela davam um certo conforto. Mas sabia que agora seria ela por ela. Instalada em um apartamento que dividiria com a amiga, começou então a sua nova vida.
Resolveu fazer um curso, através do qual poderia conseguir um trabalho melhor, visto que, mesmo sendo jornalista e ter habilidades adquiridas pelos muitos anos de trabalho, não seria suficiente para ocupar um bom cargo num país que, apesar dos laços sanguíneos, não era o seu.
As dificuldades começaram nos primeiros meses. Achar um trabalho não estava fácil, realmente. Além disso, apaixonara-se por um homem cuja relação pareceu complicada. E até que percebesse que tudo poderia não passar de uma carência, sofreu um pouco. Decidiu: voltar ao objetivo. Apaixonar-se? Agora não!
Determinada, continuou seguindo seus instintos. Deixou o curso e partiu para tentar novo trabalho. Apesar das dificuldades enfrentadas, parecia estar mais atraente. Olhares e convites confirmavam isso, para seu estranhamento. Talvez todas as mudanças tivessem culminado numa nova e interessante mulher. E isso não passava despercebido pelo crivo masculino. Em toda sua vida não havia se sentido assim, tão desejada. Isso não era nada mal.
Estudara as opções e as investidas como quem lê um cardápio! Degustar? Talvez, quem sabe? Seguiria seus instintos. Talvez hoje fosse filé, amanhã um bom peixe. Quem sabe um frango grelhado? Sim, agora, senhora de si, estava focada no seu propósito primeiro: adaptar-se ao país e se estabilizar. O cardápio? Sim, sim, o cardápio vai sendo experimentado, afinal, terá tempo para isso.
(Taciana Valença)

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EU MORO NUM VERSO (TACIANA VALENÇA)