sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

ESCRÍNIO


Perambulo noite adentro,
No peito esse ermo -
Ecoando perguntas,
Driblando respostas,
Instáveis espasmos de loucuras,
Sobre o peso da mala,
Que de tão cheia já não carrego,
E ali, na solidão do que me coube ser
Cascavilho, mexo, vejo, rejevo,
Tantos são os pesos...
 E eu, que queria apenas uma mochila,
E um caminho... tão simples
Repleto apenas do que preenche,
Sento-me  e sinto-me...
Na tentativa de solver
O que não se dissolve,
Pássaros avisam o amanhecer -
Recolho-me, no recôndito de mim
A mala, esquecida no canto
Espera seu destino,
Olho para ela e vejo
Um escrínio
 
(Taciana Valença)
 
 
 
 
 
 

MEU LUGAR

 
Sou dessa terra que me despe
Não mais que me cobre -
E mesmo que me desdobre
Serei eu, sempre o grão -
Dessa terra, que me cobre

(Taciana Valença)

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

DISFARCE

DISFARCE

 No garrancho Lilás morava uma personalidade fascinante.
Morava? Fingia que morava? Seria bruxa sob toldo colorido?
Fascinante... faceira...facínora!
A cor deslumbrante sobre o caráter repugnante,...

Um garrancho de ser, de gélidos poemas
Uma bela tangerina cheirando a podre...
- Cascas... olhos de pedra que petrificam,
Casa de fim de rua d’espantoso silêncio
Gritos em noite de lua,
Homens que gemiam seus lamentos
Bruxa! Olhos de ametista –
Vingativa, vigarista!
Uma xícara de chá, um gargalhar!
Salto de delicada nobreza desliza no asfalto –
Musa sem dono de pele de seda
Dona dama de pura delicadeza...
Almas cortadas pelo deslumbre , pela destreza
Volta à casa da rua sem fim, do fim da rua –
Prenhe dos gostos, das bocas -
Perigo eterno – estopim

(Taciana Valença)

domingo, 15 de dezembro de 2013

Posso esperar...



Fala pra vida que eu posso esperar -
Já esperei tanto,
Sem que nem mesmo soubesse que estava esperando,
Haverá sempre um abrigo, um sonho, um trabalho
E um amigo....
Fala pra vida que posso esperar,...
O tanto que ela precisar...

(Taciana Valença)
 

Sem lamentos...


Nem muros, nem lamentos
Nem mesmo onde encostar
Desarmar a rede, encher o cantil,
Correr então a mais de mil
Para que a vida não me pegue
E que eu nem mesmo chegue...

E se chegar, nem reconheça
O ser estranho que me habita
Sem tempo para perplexidades,
Guardo lampejos que num piscar -
Se foi, nem mais vejo...
Pois o abismo é sem fim
Repleto de loucuras de mim
Morrendo numa piegas sensatez -
Em breve estarei extinta
Sem casa para voltar,
Nem cama para dormir
Talvez durma longos anos
E nem mais veja o amanhecer
Pois derradeiros momentos
São todos que se vão -
Assim como a vida
Que não volta nunca mais...
Serei a estátua do enigma
Enigma de mim mesma
E no soprar o vento
Serei vapor, d'um calor que se foi,
E quando tudo parecer desarrumar-se
A esperança flutuará,
Soprando, arrumando lugar...
- quem sabe não amanheça,
Pois que dores não deveriam acordar
Bocejando ressacas de vida,
Dormiriam profundamente,
Para todo sempre, e acordaria
Apenas num sopro, de poesia
Quando o sol aparecer
Resmungarei perdas e vislumbrarei caminhos,
Sonhos, risos e ninhos,
A vida que fecunda é a mesma que mata,
Mas que também alivia -
Como canto de passarinho....

(Taciana Valença)
Recordando....

Farda nova, colégio novo, novos amigos, novo professores...
Tanto a reparar, tanto a descobrir. O colégio era enorme, lindo.
Mas logo no primeiro dia algo maior me encantou (maior?). ...
Um besourinho vermelho com bolinhas pretas. Lindo. Estavam em tantas folhas.
Fiquei impressionada com a delicadeza. Parecia que as bolinhas tinham sido pintadas de hidrocor por mãos bem certeiras!
Antes de entrar eu parava e colocava uma em minha mão. Que mania de questionar!
Mas ela era perfeita! Tão linda, tão pequena. O que fazia o dia todo? Teria vindo ao mundo apenas para silenciosamente encantar? Quantos a percebiam? O que comiam?
Um dia coloquei uma no meu estojo. Quando entrei na sala, logo me arrependi.
Claro que ela iria morrer! Contei os segundos para a aula terminar e meu assassinato não se concluir. Foi com alívio que ouvi tocar. Corri e a coloquei na primeira folha que vi.
Parecia ter voltado a respirar com ela. O lugar dela era ali, mesmo que poucos a vissem, mesmo que nada falasse, mesmo que nem parecesse respirar.
Assim comecei a prestar atenção às coisas que ninguém percebe, que ninguém vê e que ninguém se importa. E descobri que são as mais belas e perfeitas.

(Taciana Valença)

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

TEMPO CARMIM

 
Fere,
ao mesmo tempo destila,
exalando doce olor
- febre - suor frio,
línguas, sabor...
suaves os dedos
dedilhando doçuras,
poesias obscuras  -
bocas, hálitos
calientes
largam-se enfim
poço fundo d'emoções
num tempo carmim
 
(Taciana Valença)
 


terça-feira, 10 de dezembro de 2013

FÊNIX

 
 
ressurjo enfim,
do tempo onde há sempre o que me falta,
em abundância -
nessa falta de ar onde só há suspiros,
entre tantas coisas não acho o que procuro,
mas... o que seria mesmo?
a procura me fez esquecer o objetivo,
num cansaço, num desabo, num abandono,
entrego-me ao sono,
 imensidão negra do desconhecido
envolta em amarela nuvem,
acordo desse tempo,
o sorriso ofusca o lamento
me reinvento.
 
(Taciana Valença)
 
 
 
 


OLHAR...

 
voltarei a distrair-me...
qual tantas e tantas vezes,
- olharei para trás,
descansando pelo caminho
enquanto seguem à frente,
que importa?
desviarei caminhos e olhares,
dar-me-ei ao luxo d'algumas vontades,
pois antes tarde,
nem mesmo sei quantos olhares me restam
quantos dias e tardes de sol
sentirei esquentar a minha pele
não, não deixarei que me levem
e que de mim levem o que sou
ou o que me resta
sim, voltarei a distrair-me
ofuscada pelo que se esconde
mas não de mim!
Antes assim.
 
(Taciana Valença)
 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Pois é, eu poderia ter escrito isso, mas ela o fez por mim.



 "O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais, há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesmo compreendo, ...pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudades...sei lá de quê!"
- Florbela Espanca, in "Carta nº 147".
 

EU MORO NUM VERSO (TACIANA VALENÇA)